As discussões entre aliados europeus sobre a criação de uma força de paz para proteger a Ucrânia reacenderam um debate delicado na Alemanha, revelando divergências políticas e sociais sobre o papel do país em um eventual acordo com a Rússia. A informação foi publicada pela Reuters nesta quinta-feira (21).
O chanceler Friedrich Merz sinalizou abertura para que a Alemanha participe da missão, condicionando qualquer decisão à aprovação parlamentar, ao consenso com parceiros europeus e ao aval de sua coalizão de governo. A proposta enfrenta resistência, especialmente diante da rejeição russa à presença de tropas da OTAN em território ucraniano, o que torna incerta a viabilidade da operação.
Reações internas e feridas históricas
A líder da Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel, criticou duramente a ideia, acusando os conservadores de Merz de “belicismo” e classificando a proposta como “perigosa e irresponsável”. Já o ministro das Relações Exteriores, Johann Wadephul, aliado de Merz, alertou que o envio de soldados “provavelmente nos sobrecarregaria”.
O tema toca em sensibilidades históricas e limitações estruturais. A sociedade alemã mantém desconforto com missões militares no exterior, influenciada pelo passado nazista e por experiências recentes no Afeganistão e no Mali. Além disso, há críticas ao volume de recursos destinados à Ucrânia em meio à fragilidade da economia doméstica e à percepção de que a Bundeswehr, negligenciada por anos, não está preparada para um confronto direto com uma potência nuclear.
Análise e cautela política
Especialistas apontam que o governo tende à prudência. Para Marcel Dirsus, do Instituto de Política de Segurança da Universidade de Kiel, “não faz sentido gastar capital político em algo que pode não acontecer”.
Merz, que chegou ao poder prometendo tornar as forças armadas alemãs as mais fortes da Europa, tenta conter especulações. O líder parlamentar da CDU, Jens Spahn, chegou a pedir que deputados evitem declarações públicas sobre o tema. A popularidade de Merz caiu desde sua posse, enquanto a AfD, crítica ao envio de armas a Kiev e simpática à Rússia, lidera as pesquisas nacionais. Em postagem nas redes sociais, o partido provocou: “Merz quer mandar VOCÊ para a Ucrânia? Nós não!”
Opinião pública dividida
Enquanto França e Reino Unido demonstram maior disposição para atuar em um cenário pós-guerra, a sociedade alemã permanece dividida. Pesquisa da Forsa para RTL/ntv mostra que 49% apoiariam o envio de soldados a uma força de paz europeia, enquanto 45% se opõem. O ceticismo é mais forte no Leste do país, que terá eleições estaduais no próximo ano.
O líder regional da CDU em Saxônia-Anhalt, Sven Schulze, afirmou que a Bundeswehr mal teria condições de mobilizar tropas e defendeu a construção de uma “forte arquitetura de segurança europeia”.
Divergências na coalizão e no Parlamento
Dentro da coalizão, o ceticismo cresce entre os sociais-democratas, tradicionalmente favoráveis ao diálogo com Moscou. O deputado Ralf Stegner, da ala pacifista do SPD, declarou:
“A Alemanha deve ficar de fora deste assunto. O envio de soldados alemães para a região também é extremamente difícil por razões históricas.”
No Parlamento, há quem veja a presença alemã como necessária em caso de cessar-fogo duradouro. O presidente da comissão de Defesa, Thomas Roewekamp (CDU), afirmou:
“Para tornar a dissuasão crível, precisamos ter capacidades militares.”
Questionado sobre o possível envio de tropas, Merz foi cauteloso:
“Hoje ainda é cedo para dar uma resposta definitiva.”