Há mais de dois anos, o Sudão enfrenta uma guerra civil devastadora entre o Exército nacional e o grupo paramilitar RSF. O conflito já causou a morte de dezenas de milhares de pessoas e forçou o deslocamento de mais de 13 milhões, segundo estimativas da ONU. Com cidades destruídas, hospitais colapsados e fome generalizada, o país vive uma das maiores crises humanitárias do mundo.
Mas em meio ao caos, uma força improvável tem unido o povo sudanês: o futebol. A seleção nacional, conhecida como os Falcões de Jediane, está invicta nas Eliminatórias Africanas para a Copa do Mundo de 2026 e disputa ponto a ponto uma vaga direta com potências como Senegal. Faltando apenas quatro jogos para o fim da fase classificatória, o Sudão está a um ponto da liderança do Grupo B e pode conquistar sua primeira participação na história do torneio.
Futebol como resistência
Desde o início da guerra, em abril de 2023, o futebol local foi praticamente paralisado. Para manter o ritmo dos atletas, os principais clubes — Al-Hilal e Al-Merrikh — passaram a disputar a liga nacional da Mauritânia. Mais de 70% dos convocados da seleção vêm dessas equipes.
“A seleção se tornou um símbolo de esperança. É talvez a única força que une o país neste momento”, afirmou Mazin Abusin, chefe de desenvolvimento da Federação Sudanesa de Futebol.
Benghazi: o lar longe de casa
Por questões de segurança, os jogos como mandante são realizados em Benghazi, na Líbia, onde vive uma expressiva comunidade de refugiados sudaneses. O apoio nas arquibancadas tem sido intenso, e a seleção passou a ser vista como o “time da África”, segundo o jornalista Alasdair Howorth.
Em um gesto raro, até a seleção do Sudão do Sul — historicamente rival — cantou o hino nacional sudanês ao lado dos jogadores antes de um amistoso. O empate por 1 a 1 manteve os Falcões invictos.
Da lanterna à liderança
Há três anos, o Sudão terminou as Eliminatórias para a Copa de 2022 sem vencer uma partida. A virada veio com o técnico James Appiah, que apostou em talentos da diáspora, como os irmãos Mohamed e Abo Eisa, criados em Londres. Mohamed Eisa é o artilheiro da equipe, enquanto o veterano Mohamed Abdelrahman segue como referência técnica e emocional.
“Se o Sudão se classificar, será a maior conquista da história das Eliminatórias”, disse Howorth.
Sonho coletivo em meio ao caos
Apesar da empolgação, muitos ainda duvidam da continuidade da campanha. Mas Abusin acredita: “Chegar até aqui, nessas condições, é prova do quanto esses jogadores se dedicaram.”
Treinando na Arábia Saudita, longe da pressão local, a equipe encontrou foco e estrutura. “É uma faca de dois gumes. Claro que gostaríamos de jogar em casa, mas também temos oportunidades que normalmente não teríamos no Sudão”, disse Abusin.
Futebol como ponte para a paz
Assim como milhões de sudaneses, jogadores e membros da comissão técnica também precisaram fugir do país. Abusin relembra que, na véspera da guerra, estava prestes a disputar uma final de torneio local — que nunca aconteceu.
Mesmo diante da dor, ele acredita que o futebol pode ser o elo para uma trégua. “Se conseguimos nos unir por uma vaga na Copa, por que não podemos fazer o mesmo pela paz?”
Com poucos jogos restantes, o Sudão está prestes a escrever um dos capítulos mais extraordinários da história do futebol internacional. Uma classificação inédita seria mais do que um feito esportivo — seria um símbolo de reconstrução nacional.