Artigo publicado na revista Nature Medicine por um grupo de pesquisadores brasileiros faz um alerta sobre o impacto de recentes medidas que restringem o acesso à assistência médica para pessoas transgênero. O texto destaca retrocessos em políticas públicas e aponta riscos para a saúde mental e física dessa população, especialmente entre jovens.
No Brasil, a resolução nº 2.427 do Conselho Federal de Medicina (CFM), em vigor desde abril de 2025, proibiu o uso de bloqueadores hormonais em menores de 18 anos, elevou a idade mínima para início da hormonização de 16 para 18 anos e autorizou cirurgias de redesignação de gênero apenas a partir dos 21 anos. Além das restrições clínicas, a norma também impede pesquisas nessa área.
De acordo com os pesquisadores, as medidas podem provocar aumento de casos de depressão, isolamento e suicídio, além de empurrar jovens trans a buscar tratamentos sem acompanhamento adequado ou à automedicação. A equipe científica argumenta que a resolução intimida profissionais da saúde, restringe a produção de conhecimento científico e ignora a participação das pessoas trans nos debates sobre sua própria saúde.
O psiquiatra Alexandre Saadeh, um dos autores do artigo, coordena o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP. Segundo ele, o ambulatório atendeu 120 crianças e 350 adolescentes ao longo de uma década, com uso controlado de bloqueadores hormonais. A taxa de arrependimento foi inferior a 2%, alinhando-se a dados internacionais.
Já o pesquisador Bruno Gualano, coautor do estudo, criticou a inviabilidade de se exigir mais evidências científicas sobre os bloqueadores hormonais enquanto a própria norma proíbe sua aplicação. Ele lidera um estudo apoiado pela Fapesp sobre transtornos alimentares em jovens trans, também afetado pelas mudanças.
Em nota, o CFM defendeu que a nova resolução busca proteger crianças e adolescentes de procedimentos irreversíveis e foi baseada em mais de 100 estudos científicos. O conselho também afirmou que decisões semelhantes foram adotadas em países como Suécia, Noruega, Finlândia, Inglaterra e Estados Unidos.
Além do Brasil, o artigo menciona outros países que limitaram o acesso a cuidados de afirmação de gênero. No Reino Unido, o NHS restringiu bloqueadores apenas a protocolos de pesquisa. Nos EUA, uma ordem do governo Trump proibiu esses tratamentos para menores de 19 anos, mantendo acesso em apenas 14 dos 50 estados.
Os autores do artigo ressaltam que essas políticas têm implicações éticas e afetam principalmente famílias de baixa renda. Eles defendem que a medicina deve priorizar princípios éticos e evidências científicas, e não ideologias, para garantir equidade e integridade no atendimento à saúde.