Um ex-vendedor de uma loja de materiais esportivos em Curitiba ganhou uma indenização de R$ 20 mil por danos morais na Justiça do Trabalho do Paraná. A 4ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) decidiu que o funcionário foi vítima de intolerância religiosa no ambiente de trabalho.
O vendedor, que pratica Umbanda, uma religião afro-brasileira, foi impedido de usar suas guias – colares de miçangas que representam seus protetores. Ele usava as guias desde que foi contratado, mas um supervisor da rede de lojas exigiu que ele as escondesse, o que o vendedor se recusou a fazer por considerar uma violação de sua liberdade religiosa, um direito garantido pela Constituição. Sentindo que a situação era insustentável, ele entrou com um processo de rescisão indireta.
Inicialmente, a 18ª Vara do Trabalho de Curitiba não reconheceu a intolerância religiosa, aceitando o argumento da defesa de que a proibição visava evitar a descaracterização do uniforme. A Vara considerou que a religião do autor não foi citada como motivo para a ocultação das guias. O vendedor, no entanto, recorreu da decisão.
Decisão da Segunda Instância e o Protocolo Antidiscriminatório
O caso foi analisado pela desembargadora Marlene T. Fuverki Suguimatsu, que aplicou o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse protocolo orienta magistrados a considerar o contexto social e as questões de desigualdade e discriminação.
A 4ª Turma do TRT-PR entendeu que não havia prova de que os acessórios do vendedor descaracterizavam o uniforme. Além disso, mesmo que a empresa não impusesse restrições gerais a outros acessórios, houve uma proibição específica em relação aos colares religiosos de matriz africana do autor.
Discriminação por “Fugir da Normalidade”
A decisão destacou um trecho do depoimento do próprio supervisor da loja, que afirmou não haver problema em usar uma corrente “normal”. Para os julgadores, isso indica que as guias do vendedor “poderiam ‘fugir da normalidade’ na avaliação de superiores hierárquicos da ré”. A relatora observou que, na visão da empresa, os adereços do autor não eram considerados “normais”.
A 4ª Turma concluiu que a empresa “adotou conduta depreciativa sobre o aspecto religioso do uso de adereços de matriz africana pelo autor”. Esse comportamento, segundo a decisão, “reproduz estigmatização, que é fruto de um preconceito estrutural em face de religiões de matriz africana e configura, além de ignorância sobre aspectos profundos da cultura e da religiosidade daquele povo, também desrespeito à liberdade religiosa, direito humano previsto em normas internacionais e na Constituição Federal”.